
Calçada
De olhos vazios e almas fechadas, cirandam nas ruas da minha cidade. Para não se reverem nos rostos dos outro se toparem à esquina com a crua verdade, miram os sapatos, as pedras molhadas.
E, contudo, é bela a minha cidade.
O chinês das gravatas, atrás do Arsenal, tabuleiro ao peito, expressão parada, sonhando com a pátria - longínquas imagens, tempos que vão maus - ainda não vendeu nada, os pobres não usam e quem compra afinal?
E, contudo, é bela a minha cidade.
Angústia no rosto e na mão que se estende, pela Baixa acima, mal o lobrigamos, estirados exibem apelos ilegíveis.- Minha cara amiga, para onde é que vamos?- Ganham-se fortunas na pedincha, compreende?
E, contudo, é bela a minha cidade.
Rossio que se abre em braçados de flores, de floristas cansadas na tarde já fria, cravos e tulipas extasiam os turistas; e os filhos que esperam na casa vazia? Triste primavera, que ocultas mil dores.
E, contudo, é bela a minha cidade.
De cruzeiros dourados de sol e vaidade, de becos sem tempo, de escuras portadas, saem esses homens, cinzentos, sem rosto, que de olhos vazios e almas fechadas, cirandam nas ruas da minha cidade.